Usinas, bancos e demais agentes do setor analisaram o crescimento deste biocombustível durante os dois dias do Teco Latin America
As perspectivas e os obstáculos para o etanol de milho no Brasil foram abordados na décima edição do Teco Latin America. Organizado pela empresa de biotecnologia Novonesis, o encontro voltado para a cadeia produtiva de etanol de cereais ocorreu nos dias 1º e 2 de outubro, em São Paulo (SP).
No evento, o analista sênior para o agronegócio do banco BTG Pactual, Thiago Duarte, comparou as taxas de retorno do setor de etanol de cana e de milho, considerando o segundo mais vantajoso para as usinas. Apesar disso, o fato das margens já terem sido maiores acende um alerta para os produtores que utilizam o grão.
Ainda assim, Duarte considera o setor “sólido e em ascensão”, destacando a fatia crescente no mercado de combustíveis e na destinação de matéria-prima. Não à toa, a Novonesis acredita em uma expansão para mais de 50 usinas de etanol de milho “em breve”.
O gerente de desenvolvimento de negócios da empresa de biotecnologia, Rafael Piacenza, não arrisca uma data, embora tenha divulgado uma previsão de processamento de 107 mil toneladas de milho por dia, com fabricação de 11 milhões de toneladas de DDG por ano.
De todo modo, o chefe de bioenergia da Novonesis, Fabrício Leal Rocha, reforça que, apesar da perspectiva positiva, a indústria de etanol de milho precisa aumentar a sua eficiência. “Nós estamos vivendo um bom momento de mercado. O valor agregado – ou a soma das receitas dividida pelo custo do milho – apresenta um de seus melhores índices e, por isso, é importante produzir cada vez mais”, afirma.
O coordenador de engenharia de projetos para a América Latina da FluidQuip, Marc Byrne, ainda acrescenta que, segundo análises da empresa, existe uma vantagem de em torno de R$ 0,25/L para as plantas que unem milho e cana ante as usinas que utilizam apenas o grão. O motivo para isso está na economia proporcionada pela biomassa para geração de energia, que se torna disponível com a inclusão da cana-de-açúcar no processo.
Participação de mercado e futuro
A FS prevê que a participação do etanol de milho no mercado de combustíveis nacional deve chegar a 41% em 2030/31, segundo o diretor comercial da companhia, Paulo Trucco. Ele ainda aponta que essa mudança deve afetar os preços – altamente guiados em função da gasolina – por conta da mudança na relação entre a oferta e a demanda.
Na visão do Itaú BBA, por sua vez, se os 22 projetos de etanol de milho previstos saírem do papel, seriam demandadas mais 14 milhões de toneladas do cereal. Já em termos de produção de etanol, seriam 6 bilhões de litros adicionais. Os dados foram apresentados pelo gerente de crédito para o agronegócio do Itaú BBA, Guilherme Novaes.
O CEO da Evolua, Pedro Paranhos, também colaborou com a discussão. Ele aponta que, considerando a oferta de etanol, uma parcela de 36% deverá ser de etanol de milho na temporada 2034/35, algo em torno de 16 a 18 bilhões de litros. O biocombustível de cana, por sua vez, deve representar entre 31 e 33 bilhões de litros no mesmo comparativo, também com um crescimento, mas menos evidente que o do grão.
Fazendo um comparativo com os carros flex, Paranhos falou ainda sobre o avanço da frota de veículos híbridos e elétricos. “Atingimos, em 2023, 42 milhões de veículos. Só conseguimos uma frota de 90% de veículos flex porque há 20 anos ocorreu grande parte das vendas. Considerando isso, essa transição para elétricos ou híbridos vai levar pelo menos uma década para ter efeitos relevantes”, aponta.
Expansão e captação de recursos
O setor deve contar com a ALD Bioenergia neste crescimento. A companhia anunciou que deseja expandir seu processamento diário para 2,7 mil toneladas de cereal até 2026. A empresa, que possui uma unidade em Nova Marilândia (MT), busca outras biomassas para crescer e seguir com uma pegada de carbono adequada. As informações foram divulgadas pelo diretor-executivo da companhia, Marco Orozimbo.
A FS também possui um plano de expansão. No momento com três plantas em Mato Grosso – em Lucas do Rio Verde, Sorriso e Primavera do Leste –, a companhia já tem outras três unidades engatilhadas no estado: em Querência, Campo Novo dos Parecis e Nova Mutum.
“Recentemente, obtivemos um financiamento do BNDES, do Fundo Clima, de R$ 500 milhões para Querência (MT). Ainda não foi oficializada essa construção, mas temos a parte de licenciamento e de terraplanagem prontas para essas três novas plantas; e é uma questão de momento de mercado, de situação da empresa e decisão para gente avançar nessas ampliações”, detalha o diretor comercial da companhia, Paulo Trucco, ao NovaCana.
Além disso, a companhia também tem a possibilidade de ampliar as plantas atuais, seja em conjunto ou antes das novas usinas. A “grande aposta” da FS, conforme o diretor, é no projeto de etanol com emissões negativas de carbono com BECCS (sigla em inglês para bioenergia com captura e armazenamento de carbono).
“É um projeto disruptivo no setor e que vai abrir portas para segmentos que valorizam a redução das emissões, podendo contemplar tanto o SAF quanto outros mercados, como o combustível marítimo ou até mesmo combustível rodoviário”, enxerga Trucco.
Para isso, é preciso financiamento e incentivos. Do lado da captação de capital, a FS afirma buscar as melhores opções “verdes”, considerando a pegada de carbono da empresa. “O nosso bond foi um grande marco nesse sentido, assim como o Fundo Clima, os CRAs e CRIs que lançamos”, declara o diretor, que segue: “Estamos sempre abertos a discutir novas linhas e aquilo que é necessário para suportar nosso crescimento, comprovando as reduções de emissão e o nosso lado verde”.
“Temos trabalhado bastante para mostrar para o setor e para mundo que o milho de segunda safra é uma fonte renovável e explicar como funcionam as reduções de emissões. Não é só sobre um discurso, mas sobre reconhecimento tanto no Brasil quanto fora”, Paulo Trucco (FS)
Do lado de incentivos, a lei do Combustível do Futuro é vista com bons olhos pela companhia. “Temos esta aposta no BECCS. Os últimos resultados de fixação de CO2 no solo na região onde fizemos a perfuração foram aprovados e isso está sendo contemplado no Combustível do Futuro”, detalha Trucco.
Ele também acredita que a legislação trará um espaço para crescimento da demanda de etanol no mercado interno, pois permite um aumento na mistura do anidro na gasolina. “Tudo isso deve contribuir bastante pro crescimento de setor”, conclui.
Padronização do DDG é uma questão
Em um comparativo com a indústria norte-americana, o vice-presidente de finanças da ICM, Tim Allen, detalha que a margem das produtoras de etanol de milho brasileiras é maior. Além disso, as companhias sul-americanas puderam contar com os coprodutos desde o início da sua história, algo que não ocorreu com as plantas estadunidenses quando foram implantadas.
Entre os coprodutos, os grãos secos de destilaria (DDGs) são apontados como os mais relevantes. Mas o diretor de pesquisa e desenvolvimento da Inpasa, Daniel Sarmento, considera que a indústria precisa definir padrões para o produto, baseados no potencial nutricional e em diferentes espécies de animais.
Por sua vez, a diretora de relações internacionais e comunicação da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Andrea Veríssimo, disse que as exportações de DDG estão crescendo rapidamente. Em 2023, os envios movimentaram US$ 180 milhões e, no primeiro semestre de 2024, o valor foi de US$ 121 milhões. O montante chama ainda mais atenção ante o volume financeiro de US$ 91 milhões visto em 2022.
Já o sócio-diretor da Lapevi Agro, Angelo Pedrosa, acrescenta que o Brasil sempre teve condição de produzir muita ração. “Temos um mercado de ruminantes que é o maior mercado para DDG, mas ainda não temos estrutura de porto e temos concentração produtiva em quatro a cinco meses”, aponta.
Ele acredita que o DDG mais rentável será o vendido para produtores próximos à usina. Depois disso, considera que é preciso pensar em padronização, corroborando com o diretor da Inpasa, e em melhorias logísticas.
Descarbonização no mar
Também durante o evento, o gerente de desenvolvimento de negócios da Wartsila, Lucas Correa, detalhou que a empresa está desenvolvendo um motor marítimo que pode ser movido tanto à etanol quanto à metanol, a fim de se valer dos combustíveis disponíveis na origem e no destino.
Ele acrescenta que o motor em questão serve para determinados tipos de embarcações e que a empresa desenvolve opções conforme a demanda. “Mas existem muitos caminhos; embarcações menores devem usar biodiesel e, maiores, etanol e metanol”, explica.
Já a Argus tem uma visão um pouco diferente quando o assunto é a descarbonização na ala marítima. Segundo o vice-presidente sênior de estratégia e desenvolvimento de negócios Clayton Melo, a resposta no médio e longo prazo vista pela companhia são os combustíveis power-to-liquid (PtL), como o e-metanol, ou seja, combustíveis sintéticos.
Fonte: Gabrielle Rumor Koster – NovaCana
Foto: Planeta Campo